A Problemática do Envelhecimento
“Envelhecer ainda é a única maneira que se descobriu de viver muito tempo.”
Charles Saint-Beuve
Apontamentos recolhidos no Workshop com o tema “Quais os limites do envelhecimento normal e patológico?” promovido pela Associação ProMaior, que teve lugar na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria, no dia 8 de novembro de 2014.
O Envelhecimento Normal e o Envelhecimento Patológico
Tipos de Envelhecimento:
- Biológico;
- Cognitivo;
- Emocional;
- Social;
- Funcional.
O Envelhecimento tem causas Normativas e Não Normativas.
As causas Normativas são Universais, todos nós vamos passar por esse processo, mas cada um ao seu ritmo.
As causas Não Normativas são as que estão relacionadas com as influências individuais.
Todas elas podem contribuir para o Envelhecimento Patológico, que se caracteriza pela perda das capacidades para desempenhar Actividades Básicas (ex: o idosos já não conseguem vestir-se), e Instrumentais (ex: já não sabem como fazer para vestir-se).
Breve descrição dos respetivos tipos de Envelhecimento
Emocional – Com o avanço da idade todos temos de fazer lutos pelas perdas e pode haver uma diminuição da satisfação com a vida, o que pode levar a quadros depressivos. É importante, por isso, que a pessoa interaja com o ambiente circundante, que se entregue a actividades estimulantes, aprendendo a compensar as perdas com novos ganhos. Convém descobrir novos interesses que contribuam para preencher lacunas que podem acelerar o envelhecimento.
Exemplo: Os utentes dos Lares de Terceira Idade são na sua maioria mulheres, bem como pessoas que durante a sua vida desempenharam funções pouco estimulantes, facto que contribuiu em certa medida para a perda de capacidades cognitivas e aceleração do processo de envelhecimento. Por conseguinte, é importante que o idoso sinta satisfação na sua vida. Quanto mais escolaridade se tiver mais possibilidades há de atrasar a demência, porque houve activação dos estímulos cognitivos.
Social – Perda ou diminuição da rede de contactos. Amigos ou familiares que vão morrendo ou de alguma forma desaparecendo das nossas vidas. Com a reforma há um afastamento dos colegas de trabalho que até ali fizeram parte do nosso mundo.
Funcional – É aqui que estão os grandes limites: perda das capacidades para desempenhar Atividades Básicas da Vida Diária (higiene, alimentação, cuidar da casa) e Instrumentais. No Envelhecimento Normal a pessoa mantém as capacidades para as Actividades Básicas e Instrumentais. No entanto, quando se verifica que a pessoa mantém as capacidades para as Atividades Básicas mas as Instrumentais estão comprometidas, a pessoa está a vivenciar a transição do Envelhecimento Normal para o Envelhecimento Patológico.
Esquema
Geriatria e Gerontologia
Noções:
Geriatria – Geriatria trata da patologia do doente idoso. Tem, portanto, a ver com o Envelhecimento Patológico, ou Envelhecimento Secundário.
Gerontologia – A Gerontologia dedica-se ao estudo fisiológico, normal, do envelhecimento. Também designado por Envelhecimento Primário.
Actualmente verifica-se que cada vez mais o Envelhecimento evolui para a patologia. Para piorar este estado de coisas, cada vez há menos centros psiquiátricos, o que leva a que estas pessoas sejam institucionalizadas em Centros de Dia e Lares de Terceira Idade, algumas delas ainda relativamente jovens, na faixa etária dos 40 anos, moral e sexualmente desinibidos.
Ligação Cérebro Comportamento
Visão Estrutural e Funcional
Neurónios
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Impulso Nervoso
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Sinapse
⇓
Neurotransmissor
Vamos explicitar, a grosso modo, de como funciona ou como se processa a informação no cérebro:
Exemplo: Conceito de rosa – A rosa tem pétalas, cheiro e espinhos. Os neurónios recebem o impulso nervoso, que é constituído pelas características da rosa, passam-na para outros neurónios, formando a rede neuronal. As transmissões de informação de neurónio para neurónio chamam-se sinapses. A visão global da rosa dá-se no neurotransmissor.
O cérebro é composto por 2 hemisférios. Hemisfério Direito, lado qualitativo, que está relacionado com as artes, o abstracto. O hemisfério esquerdo, lado quantitativo, que diz respeito à linguagem, à compreensão, memória, informação antiga.
Lobo Frontal
O Lobo Frontal é onde se concentra enorme variedade de importantes funções, incluindo o controle de movimentos e de comportamentos necessários à vida social, como a compreensão dos padrões éticos e morais e a capacidade de prever as consequências de uma atitude.
Características Principais:
Personalidade
– Centro Motor – Exemplo: para nos deslocarmos numa sala de aula por entre um emaranhado de secretária, nós escolhemos o caminho que entendemos ser o mais apropriado, mais fácil ⇒Programação motora, que segue um esquema sequencial. Este pode ser isolado (faz-se por etapas), ou seguido (automático, reflexo).
– Atenção motora – o que me permite manter o foco de atenção durante um longo período de tempo.
Frontal Esquerdo – Broca – O que me permite repetir, nomear, e ter afluência oral (linguagem, expressiva).
Frontal – Pré Frontal – Faz a ligação com todo o cérebro, mas particularmente com o sistema límbico.É responsável pelas funções executivas principais. Permite mudar o foco de actuação. Flexibilidade cognitiva:
Sequência, Planeamento (funções)
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Pensamento, Emoções
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Funções Executivas
⇓
Actuação de sequência e Planeamento
⇓
Tomar decisões; Resolver problemas
– Controlo Inibitório – educação (exemplo: aguardar a nossa vez numa fila de espera).
O Controlo Inibitório pode funcionar mal nos idosos, que podem começar a ter condutas desinibidas, de cariz sexual, por exemplo.
– Fluência Verbal – Fonética (exemplo: dizer palavras começadas por P). Categorias (plantas, animais, transportes).
No trabalho com idosos devem-se programar atividades que articulem a terapia da reminiscência (recordações antigas) com informações novas, actuais, de forma a aumentar a rede neuronal.
Parietal
– Atenção Seletiva – O que nos permite descriminar um estímulo de um conjunto de estímulos. Ao escolher uma cor num conjunto de cores, exercemos a atenção seletiva. Mas se de um conjunto de objetos de variadas cores nós procurarmos reunir todos os objetos da mesma cor já se trata de Atenção motora.
– Orientação espacial – O que nos permite perceber onde estamos. Todos os dados sensoriais estão na mesma área – Tálamo – recebe toda a informação e distribui para as zonas respetivas.
– Centro receptor – Distribui os dados sensoriais.
Temporal
– Orientação Temporal – É o primeiro atributo a falhar, mesmo no Envelhecimento Normal. Para ajudar um idoso nesta situação deve-se estabelecer hábitos e rotinas em determinados dias. Exemplo: Num Lar, à terça feira, ao almoço é servida habitualmente uma banana para sobremesa. O idoso apercebe-se de imediato em que dia da semana está.
– Linguagem Auditiva –
– Memória – Há vários tipos de memória, mas dois deles são mais importantes:
– Memória Anterógrada – Retenção . Novas aprendizagens. Mas é o tipo de memória que mais facilmente se perde nos idosos, que pode começar a inventar factos, devido à confusão.
– Retrógada – Evocação. memória armazenada.
Temporal Esquerdo – Compreender o que nos dizem
– Wernicke Receptiva – Compreende o que lhe é dito
Occipital – Altamente especializado. Recebe, processa e associa, formas, movimentos, cores, exemplo: banana – cor amarela, sabor, e textura densa.
– Visual
– Sistema límbico – Emoções, respostas emocionais, alegria, dor, tristeza, etc. Quem regula o sistema límbico é a área Pré – Frontal.
O Sistema límbico não é afectado com o Envelhecimento. Contudo, os idosos podem ter uma conduta desinibida devido à área Pré – Frontal que esta sim envelhece e, por conseguinte baixa a guarda.
– Memória Visual – Há doentes sem memória, que perante uma série de fotos, lhes for pedido para escolherem uma delas, estes tendem a escolher uma que lhes é familiar, que normalmente corresponde a um filho ou outra pessoa muito chegada.
Actividade para estimular a memória
Jogo de Palavras
Formar um grupo de idosos e pedir a um que diga uma palavra à sua escolha. O idoso seguinte deverá dizer outra palavra que esteja relacionada com a primeira. Contudo o terceiro idoso já deverá escolher uma palavra que esteja relacionada com aquela que acabou de ser dita, de forma, que ao contemplar todo o grupo de idosos, a última palavra a ser dita poderá não ter nada a ver com a primeira.
A segunda parte consiste em começar tudo de novo mas do fim para o princípio.
Lobo Frontal – Programação
Cerebelo – Permite executar uma acção.
Hipotálamo – Funções homeostáticas.
Dopamina – Funciona ao nível da actividade motora.
1º Neurotransmissor ⇒Actividade motora – Dopamina – Lobo Frontal (programa); Cerebelo (executa).
2º Neurotransmissor ⇒Emocional – Serotonina – Pré – Frontal; Sistema Límbico.
3º Neurotransmissor ⇒ Memória – Acetilcolina – Particularmente em todos os processos de Memória (Temporal).
No fundo todos os Neurotransmissores dependem da Dopamina e de outro em particular.
A adrenalina activa o Sistema Límbico (memória; planear).
Perturbações:
Linguagem – Afasias
Existem 7 tipos de Afasias, mas as mais comuns são: Broca (expressão); Wernicke (compreensão).
Orientação – Temporal e Espacial. A orientação do tipo temporal é aquela que primeiro é afectada.
Atenção – 2 tipos: Selectivo e Motor.
Actividade Motora – Apraxias
Memória – Amnésias, que podem ser do tipo Anteretrógrada ou Retrógada.
Reconhecimento e Associação – Agnosias.
Agnosias de Reconhecimento – O idoso não sabe o que é determinado objecto.
Agnosias de Associação – O idoso sabe o que é determinado objecto mas não sabe para que serve.
Funções Executivas – Síndrome de Disexecutivo Frontal (SDF). Se estiver afectado há lesão no Lobo Frontal.
Demências
Alzheimar –
Não existe forma de provar esta doença, ou melhor, só com uma biópsia, que neste caso seria muito complicada, se poderia provar a doença. Mas também se pode provar a doença fazendo a necrobiópsia, (depois da morte). Muitas vezes pensa-se que a pessoa tem a doença de Alzheimar, quando na verdade se trata de Demência Vascular ou Declínio. Não se sabe a causa da doença de Alzheimar mas uma vez que comece não se consegue travar a sua evolução.
Só se pode considerar que uma pessoa sofre de Demência quando apresenta os sintomas referentes ao quadro demencial, processo que pode levar de 3 a 6 meses ou até mesmo 10 anos.
1º Leves esquecimentos, pontuais.
2º Final da leve perda de memória. Desorientação temporal. Confusão mental ⇒Fase Moderada.
– Alteração do pensamento e da memória, que vai evoluindo. Mas todos estes sintomas são comuns a outras doenças.
A doença de Alzheimar não tem cura, o tratamento é feito ao nível sintomático. Um AVC pode desencadear a doença de Alzheimar. Os primeiros sintomas podem aparecer em apenas uma semana e estar muito tempo nesta fase. Mas também pode passar à fase moderada e também se manter muito tempo.
Parkinson –
Há menos tendência para evoluir e é mais doença do que demência. Não se sabe a causa e começa na actividade motora. Inicia-se nos Gânglios de Base e os sintomas são facilmente perceptíveis (tremor em repouso).
Sintomas:
1º – Tremor em repouso;
2º- Freesing (ex: hesitação no início da marcha);
3º Postura flectida;
4º Rigidez muscular.Ex: ao toque de um martelo no joelho, este não faz levantar a perna, ou então levanta muito a perna.
Quanto menos Dopamina a pessoa tem, mais actividade a pessoa apresenta, por isso, o tratamento consiste em administrar Dopamina para que a actividade se reduza.
Na doença de Parkinson, doença do neurotransmissor, há uma demora considerável na perda das capacidades cognitivas. O doente tem a perfeita consciência do que lhe está a acontecer. Passam por todas as fases da evolução da doença com consciência da sua doença e do seu estado. Nalguns casos a doença de Parkinson pode evoluir para o quadro demencial do Alzheimar. Pode começar por volta dos 25 anos, devido a alguma infecção ou abuso de drogas, mas surge habitualmente aos 50 anos. Não há tratamento para os sintomas.
Esclerose múltipla
Esta doença é pior do que o Parkinson porque a pessoa perde as funções motoras mas não as funções cognitivas. É uma doença auto imune. Nunca se perde a consciência.
Demência Vascular –
É mais comum do que a doença de Alzheimar. Costuma ser a consequência de um acidente vascular cerebral. É a maior causa de morte em Portugal, assim como é a doença que melhor se pode prevenir. É mais difícil de prevenir já no próprio Envelhecimento.
Causas:
– Sedentarismo;
– Alcoolismo;
– Tabagismo;
– Colesterol elevado;
– Taquicardias;
– Hipertensão.
Um AVC seja por êmbolo ou por trombo, acontece do pescoço para cima. O coágulo que entope pode vir de qualquer parte do corpo, mas aloja-se no cérebro.
Acidentes Isquémicos Transitórios (AIT) –
Os Acidentes Isquémicos Transitórios evoluem para AVC Letal.
Hemorragias – é menos comum e mais perigoso, implica rebentamento e extravasão de sangue.
Isquémico – é mais comum e menos perigoso, implica a obstrução devido a um coágulo.
Sintomas de AVC:
– Alteração do hemicorpo (metade do corpo).
– Formigueiro ou adormecimento do corpo.
– Náuseas, má disposição, vómito.
– Tonturas, faltas de equilíbrio que não era habitual ter;
– Alteração da linguagem, que pode ser lenta, desorganizada, etc;
– Desvio da comissura labial. No caso de dúvida basta sorrir, dessa forma se tiver havido desvio será mais perceptível.
Os sintomas enumerados dependem da extensão e da localização onde ocorreu o AVC.
Testes Básicos:
Pedir à pessoa suspeita de ter tido um AVC para abrir os braços e caminhar. Pedir para andar em passos miúdos. Se estiver sentada pedir para pôr o dedo no nariz. Por norma a pessoa se tiver tido mesmo um AVC não conseguirá acertar no nariz. Qualquer um destes exercícios tem a finalidade de avaliar a actividade motora.
Pedir para dizer uma frase coerente. É muito importante pedir que sorria.
Epilepsia –
Crise Parcial
Crise generalizada
Não se sabe as causas. No cérebro em vez de um impulso nervoso, eléctrico, o que se dá é uma descarga de vários.
Na Crise Parcial – 1 hemisfério não são comprometidas as funções. Mas na Crise Generalizada, que afecta os dois hemisférios, há convulsões. Também há episódios em que a pessoa se alheia nem que seja por segundos, perde a consciência e ninguém se apercebe.
Conselhos:
– Não dar água;
– Não acordar;
– Não pôr nada na língua;
– É deixar estar e chamar as entidades competentes.
Psicóticas –
Nas demências há sempre alterações da personalidade
A mais importante (e abundante) é a Esquizofrenia. Não implica lesão estrutural mas sim funcional, que está em hipo funcionamento.
Na esquizofrenia há um corte com a realidade (para o esquizofrénico, para nós não).
Ouve vozes e vê imagens que julga serem a realidade. Não se apercebe que o que vê não é real. Há, portanto, uma “realidade” que é só deles. É habitual recusarem a ajuda e o tratamento. As drogas podem desencadear a esquizofrenia. São muito instáveis.
Sintomas psicóticos positivos – Alucinações.
Sintomas psicóticos negativos – Variações do estado de humor.
Intervenção
É possível atrasar quadros cognitivos devido à neuroplasticidade. Por exemplo,através de actividades:
Teste Moca – Foi validado para a população portuguesa com escolaridade e sem estarem institucionalizados, por isso, em certa medida, não representa a realidade portuguesa.
– Podemos gravar sons de animais e perguntar qual é o animal a partir de determinado som (estímulo da parte associativa).
– Pedir que digam 3 palavras começadas pela letra P; M e R. São as letras mais complicadas. Aos idosos que estiverem num estado em que os impossibilita de ter uma participação activa, deve ser pedido para dizerem categorias, como por exemplo: Transportes, animais.
– Pedir para que os idosos contem ao contrário (ex: 30-3) e assim sucessivamente ir diminuindo 3. Por conseguinte, além de implicar que o idoso recorra à memória antiga, também recebe nova informação.
FAB – Menos aptas
Perguntar quais as diferenças e semelhanças entre determinados objetos. Alguns idosos não conseguem dizer quais as semelhanças e começam logo a enumerar as diferenças. Pedir para repetir 3 movimentos contraditórios.
Escala de Depressão Geriátrica
(Muita ATENÇÃO, com os seguintes pontos)
– Características idiossincráticas; (as pessoas são diferentes, são o resultado das suas vivências, não se deve esperar homogeneidade).
– Qualidade de vida, bem estar e autonomia; (importante para conservar a saúde mental).
– Nível de escolaridade; (quanto mais escolaridade mais interesses se evidenciam e isso atrasa o envelhecimento e por isso a demência).
– Interação medicamentosa; (muitos idosos tomam variados medicamentos, alguns deles para o mesmo problema, estão, por conseguinte, hipermedicamentados
– Dificuldade nos exercícios; (cuidado, respeito e compreensão pelas condições físicas do idoso).
– Avaliação quantitativa, versus qualitativa;
– Rótulos psicopatológicos. (não colocar rótulos pejorativos nos idosos, principalmente quando partem de pressupostos que estão errados).
Novembro 21st, 2014 as 11:03
Milu,
Que belo texto. Me pareceu uma espécie de “tratado sobre a velhice”. Muito bom !
Novembro 21st, 2014 as 14:02
José Rosa,
Achei muito proveitoso ter ido a este workshop, pois tive oportunidade de tomar conhecimento de que muitas atitudes dos idosos, por vezes mal compreendidas por nós, são afinal consequência do processo de envelhecimento e não de um suposto mau carácter.
Beijinho